Eu sempre vi o Projeto Gutenberg como uma dessas raras iniciativas que ainda lembram o que é pensar com o coração. Foi criado em 1971 por Michael Hart, um sujeito comum, sem pompa de gênio nem ambição de poder. Ele não queria “revolucionar a tecnologia” nem fundar uma empresa bilionária; queria apenas que os livros não morressem.
Num mundo em que todo conhecimento é embalado, vendido e esquecido na semana seguinte, Hart teve um lampejo de decência intelectual — e começou a digitar, sozinho, textos que deveriam pertencer a todos. Talvez nem ele soubesse o tamanho do gesto que estava fazendo. Mas, como acontece com tudo o que nasce do espírito, o que começou pequeno acabou se tornando algo imenso.
O primeiro texto que ele copiou foi a Declaração de Independência dos Estados Unidos. Há nisso uma simbologia bonita: a liberdade não começa com armas, mas com palavras. Hart entendeu que, se o homem quer ser realmente livre, precisa primeiro poder ler — e ler de graça, sem muros nem pedágios. A partir desse gesto simples, foi se formando uma comunidade de gente que acredita em algo quase esquecido: que o conhecimento não é propriedade privada, e que a inteligência só tem sentido quando é partilhada. Em vez de algoritmos, servidores e slogans, havia apenas pessoas, livros e vontade. Foi assim que nasceu uma das maiores bibliotecas digitais do mundo.
A filosofia por trás do Projeto Gutenberg é tão simples que chega a incomodar os sofisticados: o que pertence à humanidade deve estar ao alcance da humanidade. Nenhum livro que educa, que eleva ou que salva o homem deveria ser escondido atrás de uma senha ou de um preço. O saber, quando se fecha, apodrece. E quando se compartilha, floresce. Hart não criou apenas um site: criou uma lembrança viva de que a generosidade também é uma forma de inteligência. E de que ler é, acima de tudo, um ato de humildade — a coragem de ouvir quem entendeu a vida antes de nós.
Hoje o Projeto Gutenberg abriga mais de setenta e cinco mil obras disponíveis em vários formatos: ePub, Kindle, HTML e texto simples. Ali estão os grandes livros que atravessaram séculos e ainda dizem algo verdadeiro sobre o homem — romances, ensaios, tratados, poemas, reflexões. Tudo gratuito, tudo livre, tudo feito por gente que ama o que faz. É uma obra silenciosa, sem publicidade, sem vaidades acadêmicas. Mas talvez por isso mesmo seja tão bela: porque nasce do mesmo impulso que faz alguém guardar um livro com carinho, ou emprestá-lo a um amigo sem esperar que volte.
Em tempos de pressa, o Projeto Gutenberg é uma pausa. Enquanto o mundo se orgulha de estar “conectado”, ele nos lembra que o que realmente nos liga uns aos outros é a palavra, não o ruído. Ler um livro ali — especialmente um livro esquecido — é um pequeno ato de resistência, uma maneira de dizer: ainda me importo com o que é verdadeiro. O projeto prova que, apesar de toda a decadência intelectual e moral do nosso tempo, ainda existe gente que prefere preservar a sabedoria em vez de destruí-la.
E isso, no fim das contas, é o que me comove. Porque o Projeto Gutenberg não é apenas um arquivo: é um testemunho. Mostra que o homem, mesmo cercado de máquinas e vaidades, ainda é capaz de fazer algo por puro amor ao espírito. E que, enquanto houver alguém disposto a ler — e outro disposto a preservar —, a inteligência humana ainda terá salvação.
Funcionamento e acervo
Hoje, o site conta com mais de 75 mil e-books gratuitos, em formatos acessíveis como ePub, Kindle, HTML e texto simples. O acervo abrange uma diversidade de áreas do conhecimento: literatura, filosofia, história, ciências humanas e naturais. Com foco em obras cujos direitos autorais expiraram nos Estados Unidos.
Entre os títulos mais procurados estão clássicos como:
- Orgulho e Preconceito, de Jane Austen
 - Dom Quixote, de Miguel de Cervantes
 - A Divina Comédia, de Dante Alighieri
 - Os Miseráveis, de Victor Hugo
 
Além das obras literárias, o projeto também disponibiliza textos científicos, discursos históricos e traduções de documentos fundamentais da civilização ocidental.
Voluntariado e preservação digital
Um dos pilares do Projeto Gutenberg é a colaboração voluntária. Milhares de pessoas ao redor do mundo participam do processo de digitalização, revisão e formatação dos textos, garantindo qualidade e fidelidade às obras originais. Essa atuação é coordenada pela Project Gutenberg Literary Archive Foundation, organização sem fins lucrativos que mantém a plataforma ativa e gratuita.
Aspectos legais e acesso no Brasil
Embora o Projeto Gutenberg tenha sua sede nos Estados Unidos, o acesso ao seu conteúdo é aberto a qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. Essa universalidade é, talvez, o que há de mais belo na iniciativa — a ideia de que um livro possa atravessar fronteiras sem precisar de passaporte. Mas há um detalhe que o leitor atento não deve ignorar: as leis de direitos autorais não são as mesmas em todos os países.
No Brasil, por exemplo, a proteção legal de uma obra se estende por setenta anos após a morte do autor.
Isso significa que alguns títulos que já são considerados de domínio público nos Estados Unidos podem ainda estar sob proteção jurídica em território brasileiro. Não é uma questão de burocracia apenas, mas de respeito — respeito ao trabalho intelectual e à memória de quem escreveu.
Por isso, o uso do acervo do Gutenberg para fins educativos, acadêmicos ou de leitura pessoal é perfeitamente legítimo, desde que o leitor observe as restrições indicadas em cada obra. Ler com consciência também é um dever moral. Porque o amor ao conhecimento, quando é verdadeiro, sempre anda de mãos dadas com o respeito por quem o produziu.
Impacto cultural e educacional
O projeto tornou-se um símbolo da democratização da leitura e da preservação da memória literária mundial. Ao disponibilizar textos gratuitamente, o Gutenberg não apenas facilita o acesso ao conhecimento, mas também incentiva práticas de leitura crítica e a valorização dos clássicos que moldaram o pensamento ocidental.
Educadores, pesquisadores e estudantes utilizam o acervo como fonte de estudo e consulta, ampliando o alcance de obras que, por muito tempo, estiveram restritas às grandes bibliotecas e universidades.
Acesso e navegação
O portal é inteiramente gratuito e não requer cadastro. Os livros podem ser baixados diretamente ou lidos online, com possibilidade de pesquisa por autor, título, idioma ou categoria temática. O site também mantém listas de leitura organizadas por popularidade, tema e época de publicação.
Os livros mais baixados do Projeto Gutenberg
O acervo do Projeto Gutenberg é vasto e diversificado, mas alguns títulos permanecem entre os mais procurados pelos leitores de todo o mundo. Segundo o próprio portal, os dez livros mais baixados incluem clássicos que atravessam séculos de leitura e continuam inspirando novas gerações.
- Frankenstein; or, The Modern Prometheus – Mary Shelley
 - Pride and Prejudice – Jane Austen
 - Alice’s Adventures in Wonderland – Lewis Carroll
 - A Tale of Two Cities – Charles Dickens
 - The Adventures of Sherlock Holmes – Arthur Conan Doyle
 - The Picture of Dorian Gray – Oscar Wilde
 - Moby-Dick; or, The Whale – Herman Melville
 - Dracula – Bram Stoker
 - The Yellow Wallpaper – Charlotte Perkins Gilman
 - Metamorphosis – Franz Kafka
 
Esses títulos ilustram a amplitude do catálogo e demonstram o impacto duradouro das obras em domínio público, que continuam sendo lidas, estudadas e reinterpretadas em diferentes contextos culturais e linguísticos.
					
							