Numa época em que tudo é estimulado, menos o pensamento, talvez valha a pena perguntar: ainda faz sentido acreditar que leitura e criatividade caminham juntas? Ou será mais um desses chavões que se repetem sem reflexão? Pois bem, basta observar uma criança entregue a um livro para perceber: o ato de ler é, por excelência, um exercício de imaginação e liberdade.
A leitura como escola da imaginação
Enquanto muitos pedagogos discutem métodos, aplicativos e estratégias mirabolantes para “despertar o potencial criativo”, a resposta estava sempre ali: um livro aberto. O contato com a literatura não é apenas uma questão de aumentar notas ou decorar regras gramaticais. Quando uma criança lê, ela se defronta com o desafio de construir mentalmente cenários, criar vozes para personagens, imaginar mundos inteiros a partir de palavras impressas numa folha. Nisso reside o verdadeiro milagre: a leitura é o único brinquedo capaz de se multiplicar ao infinito, conforme a inteligência e a sensibilidade do leitor.
A psicopedagoga Ana Paula Ramos, por exemplo, afirma que cada livro lido é uma porta para universos novos — mas, sejamos honestos, a maioria das portas fica fechada para quem nunca desenvolveu o hábito da leitura.
Livros ampliam o repertório — e a ousadia de pensar diferente
Livros bons desafiam. São eles que ensinam à criança não apenas novas palavras, mas novas maneiras de pensar, reagir, combinar informações e encontrar sentido onde outros só veem rotina. É fácil notar: crianças que leem com frequência costumam criar histórias, desenhar sem copiar modelos, fazer perguntas inesperadas — e não se contentam com respostas prontas.
Maryanne Wolf, neurocientista e estudiosa da leitura, aponta que, para o cérebro infantil, a experiência literária é um verdadeiro campo de treinamento para a criatividade. Não é coincidência: a leitura exercita, dia após dia, o poder de imaginar, criar, conectar o improvável.
A ilusão da quantidade: o essencial é a intensidade
Há um erro comum: imaginar que basta “encher a criança de livros” para garantir criatividade. Nada mais superficial. Não se trata de quantidade, mas de intensidade e entrega. Ler não é “passar os olhos”; é mergulhar, duvidar, perguntar, reconstruir. O livro só cumpre sua função quando se torna diálogo, quando provoca, inquieta e leva a criança a repensar o que lhe foi dado como certo.
Como cultivar mentes criativas?
- Ofereça à criança livros que a desafiem — não só o que é “fácil”.
- Permita que ela imagine finais diferentes, que invente, que discorde dos personagens.
- Converse sobre o que foi lido, estimule o debate e o pensamento próprio.
- Incentive a criança a transformar a leitura em outra criação: desenhos, histórias, perguntas.
- Lembre-se: criatividade exige liberdade — inclusive para escolher o que ler.
Conclusão
O hábito da leitura não é um adereço escolar, mas condição para uma inteligência verdadeiramente ativa e livre. Crianças que leem mais tendem a ser mais criativas porque, desde cedo, aprendem a duvidar do óbvio, a experimentar ideias e a brincar com as palavras. Em tempos de pensamentos uniformizados e opiniões fabricadas, nada é mais urgente do que formar leitores inquietos. Porque só quem imagina é capaz de criar; só quem lê é capaz de pensar além do cardápio servido pelo mundo.
