Como Ler Livros? Aprenda de uma vez por todas

O manual que ensina o leitor a pensar por conta própria

7min de leitura
Adler ensina que ler é mais do que decifrar palavras — é pensar por conta própria num mundo de distrações. Crédito: Bruno Maya

Há livros que passam, e há livros que permanecem. Como Ler Livros, de Mortimer J. Adler, é do segundo tipo. Lançado em 1940, o manual já vendeu milhões de exemplares e segue sendo referência entre quem acredita que ler é mais do que juntar letras, é organizar o pensamento. Adler não escreveu para quem quer “ler mais”, mas para quem quer entender melhor. Seu ponto de partida é simples e desconcertante: muita gente lê, mas pouca gente compreende.

Num tempo em que a leitura foi substituída por resumos e vídeos de 60 segundos, Adler soa quase revolucionário. Ele parte da ideia de que o verdadeiro leitor é aquele que pensa junto com o autor, e não apenas absorve o que está escrito. “Ler é um ato ativo”, ele dizia. Parece óbvio, mas não é. Boa parte das pessoas lê para se distrair, não para aprender e isso faz toda a diferença.

Os quatro níveis de leitura que ninguém aprende na escola

Adler divide a leitura em quatro etapas: elementar, inspecional, analítica e sintópica. A primeira é a mais básica: saber decodificar frases e reconhecer palavras. É o que as escolas chamam de alfabetização. O problema é que boa parte dos adultos nunca passa dessa fase. Ler uma frase não significa entendê-la.

A segunda é a leitura inspecional — uma espécie de “varredura inteligente”. O leitor analisa rapidamente o sumário, o prefácio e os capítulos principais, folheando o livro para descobrir se vale o esforço de ser lido por inteiro. É como mapear um território antes de explorá-lo.

A leitura analítica é onde o jogo muda. Aqui o leitor trabalha de fato. Ele precisa responder a quatro perguntas: sobre o que trata o livro, o que o autor realmente diz, se é verdadeiro e, por fim, “e daí?”. Essa última pergunta é o que separa quem lê para repetir do leitor que lê para compreender. É a hora de decidir se o que o livro traz tem valor na vida real.

No quarto nível, a leitura sintópica, Adler eleva o padrão. É o momento em que o leitor coloca vários autores para “conversar” sobre o mesmo tema, Aristóteles com Santo Agostinho, Pascal com Nietzsche, Dante com Dostoiévski. É aqui que a leitura se torna filosofia. Ler não é mais um consumo de ideias, mas uma comparação entre visões de mundo.

Mortimer Adler Crédito: Foto Reprodução/Wikipédia

Mortimer Adler. Crédito: Foto Reprodução/Wikipédia

Ler dá trabalho, e é exatamente esse o ponto

Adler lembra que ler com profundidade exige paciência, método e uma dose de humildade. É como ginástica mental. O leitor tem que rabiscar, anotar, argumentar, discordar. O livro limpo, dizia ele, é o livro que não foi lido. E tinha razão: compreender algo implica entrar em conflito com ele.

É o oposto da cultura de hoje, que transforma informação em passatempo e opinião em reflexo automático. Adler, se vivesse hoje, provavelmente diria o mesmo que o filósofo Olavo de Carvalho repetiu a vida toda: a mente preguiçosa é o caminho mais curto até a servidão intelectual.

Ler exige que você pare, pense e confronte ideias que não são as suas. A TV e as redes sociais entregam tudo mastigado, é confortável, mas emburrece. O livro, ao contrário, força o leitor a montar o quebra-cabeça. Ele exige esforço. E tudo que exige esforço também desenvolve virtude.

O leitor como herdeiro de uma civilização

Adler via a leitura como um ato civilizacional. Cada livro é uma conversa entre gerações. Ler Platão, Santo Agostinho ou Shakespeare não é um ritual de erudição: é uma forma de continuar um diálogo que começou há milhares de anos. A leitura sintópica, o último estágio, é justamente isso, a arte de manter viva a conversa entre os grandes espíritos.

Os gregos chamavam esse processo de paideia: a formação integral do homem, pela razão e pela cultura. E é isso que falta hoje. Vivemos cercados de dados, mas com pouca compreensão. Temos acesso a toda informação do mundo, mas quase nenhuma sabedoria para usá-la.

Como Ler Livros lembra que a inteligência não nasce de ler mais rápido, mas de ler melhor. O leitor verdadeiro é aquele que permite ser moldado pelo texto, que sai de um livro diferente de como entrou.

Um clássico que continua dizendo o óbvio que esquecemos

O sucesso duradouro do livro não se deve às suas regras, mas à sua visão de mundo. Adler acreditava que a leitura é o último espaço de liberdade que ainda resta. Quando você lê, ninguém pensa por você. O livro pode te desafiar, te irritar, te confundir, mas nunca te manipula. É você quem decide o ritmo, o sentido e a conclusão.

Permita-me que lhe diga com franqueza: vivemos numa era de superficialidade atroz, onde mecanismos anônimos — os algoritmos — tentam subjugar a nossa inteligência. Eles querem ditar o que você deve ler e, pior, os erros que você deve pensar.

É por isso que eu vejo “Como Ler Livros” como um verdadeiro baluarte do bom senso. Adler não está ali para ensinar uma simples técnica; o que ele propõe é a restauração da nossa ordem intelectual, a reconquista da nossa própria mente para a Verdade.

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Ensaísta e professora de literatura. Escreve sobre o valor formativo da leitura e o papel do livro como espaço de silêncio, contemplação e permanência em uma época marcada pela pressa e pela superficialidade. Em seus textos, reflete sobre como a leitura educa o olhar, purifica a sensibilidade e ensina o homem a habitar o tempo com mais profundidade.
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