Entre os grandes nomes da literatura universal, Machado de Assis ocupa um lugar que não se mede por modas, mas por mérito. Nascido em 1839, no modesto Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, filho de um pintor mulato e de uma lavadeira portuguesa, ele ergueu-se num país onde quase tudo conspirava contra o talento que nasce pobre. Sem fortuna, sem herança e sem títulos, venceu pelo que o homem tem de mais raro: a força do espírito e a disciplina do pensamento.
Machado foi tipógrafo, revisor, cronista, jornalista e, por fim, fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. Mas mais importante que os cargos que ocupou foi a consciência que formou.
Num Brasil ainda prisioneiro das aparências, ele provou que a verdadeira nobreza não está no berço, mas na lucidez — e que pensar, num ambiente hostil à inteligência, é sempre um ato de coragem.
A literatura como exame da alma
A obra de Machado é uma radiografia do homem. Não o homem idealizado dos românticos, mas o homem real, contraditório, vaidoso e frágil — essa criatura que vive entre o desejo e a culpa. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ele faz da morte um ponto de vista para rir dos vivos. Em Dom Casmurro, expõe o veneno do ciúme e o delírio da dúvida. Em Quincas Borba, desmascara o absurdo da filosofia quando ela se separa da moral.
Machado não escreve para agradar: escreve para revelar. Sua ironia não é zombaria, é método. Ele entende que a alma humana só se deixa ver quando é ferida — e por isso não tem piedade das ilusões que nos sustentam. Sua literatura é um espelho incômodo: quem o lê, se for honesto, não sai o mesmo. Há em suas frases uma precisão que não é apenas estética, mas moral. Cada palavra pesa, porque vem de quem sabia que a inteligência, quando sincera, não adula ninguém — nem o leitor, nem o autor, nem o país.
Um legado que ainda desafia o Brasil
Hoje, quando a cultura se reduz a entretenimento e a leitura vira produto, Machado de Assis continua de pé, lembrando que pensar ainda importa.
Sua obra é uma espécie de espelho nacional: mostra, com elegância e crueldade, aquilo que o brasileiro mais teme ver — a própria alma.
O Ministério da Educação, consciente dessa herança, disponibiliza gratuitamente toda a obra machadiana no projeto “Machado de Assis – Vida e Obra” (machado.mec.gov.br). Ali estão reunidos seus romances, contos, crônicas, poesias e peças teatrais, acessíveis a todos. É uma iniciativa rara e justa: devolver ao povo a convivência com o maior escritor que este país produziu.
Ler Machado não é apenas um exercício de cultura, é um ato de formação.
Ele nos ensina a duvidar da máscara, a rir da vaidade e a respeitar a inteligência.
Num tempo em que a mediocridade virou virtude, Machado permanece como lembrete incômodo de que a grandeza ainda é possível — desde que o espírito não se renda.
Entre as obras mais conhecidas estão:
- Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)
 - Quincas Borba (1891)
 - Dom Casmurro (1899)
 - Esaú e Jacó (1904)
 - Memorial de Aires (1908)
 
Mas a plataforma também abriga os textos menos lembrados — crônicas, traduções e críticas literárias — que completam o retrato do escritor em toda a sua dimensão intelectual.
A herança moral de uma mente livre
Machado de Assis morreu em 1908, mas sua presença intelectual não se extinguiu — apenas mudou de forma.
Ele continua entre nós, não como lembrança, mas como espelho. Em cada página, o leitor reencontra o mesmo Brasil: mudaram as roupas, os cenários e as palavras, mas os vícios morais continuam de pé, sorrindo com a mesma disfarçada elegância. Machado não escreveu para o seu tempo. Escreveu a partir do seu tempo, mas com os olhos voltados para o homem — essa criatura que atravessa os séculos sem jamais se corrigir. Sua obra não é um retrato de época; é um diagnóstico da alma.  Por isso permanece viva: porque fala daquilo que não envelhece, das contradições que nos habitam e das ilusões que nos consolam.
O acesso digital à sua obra é mais que um benefício tecnológico; é um símbolo civilizatório.
É o conhecimento voltando às mãos do povo que o produziu, o espírito reencontrando suas próprias raízes.
Em tempos de ignorância militante e de desprezo pela leitura, abrir um livro de Machado é um ato de higiene mental — uma forma de purificar a inteligência da vulgaridade que a cerca.
Ler Machado é um exercício de lucidez. E num tempo que adora o efêmero, voltar a ele é mais que um gesto de cultura: é um ato de restauração da inteligência, um reencontro com o que o Brasil teve — e ainda pode ter — de mais alto, mais claro e mais verdadeiro.
					
							