Por que os clássicos nunca envelhecem

O que torna certas obras eternas e sempre atuais, mesmo depois de séculos

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Reflexão sobre o poder duradouro dos grandes livros, que continuam a ensinar, emocionar e provocar pensamento, mostrando por que os clássicos permanecem vivos em qualquer época — Crédito: Anderson Souza

Há livros que passam, e há livros que permanecem. Os primeiros seguem o ritmo da moda; os segundos resistem a ela. São esses que chamamos de clássicos, obras que atravessam séculos sem perder o vigor, como se tivessem sido escritas ontem. E talvez o segredo de sua juventude eterna esteja no fato de que falam menos sobre o tempo em que nasceram e mais sobre o homem, que continua o mesmo. Mudam as roupas, as máquinas, as palavras; mas o coração humano, com suas dúvidas, paixões e misérias, segue intacto.

Ler Homero, por exemplo, é ouvir o eco das mesmas perguntas que ainda fazemos. Quem somos? O que é a coragem? Vale a pena lutar por algo que inevitavelmente se perde? A Ilíada e a Odisseia não são apenas epopeias sobre heróis e deuses, são retratos da alma em busca de sentido. O mesmo se pode dizer de Shakespeare, que desnudou o homem em todas as suas formas: o ciumento, o ambicioso, o apaixonado, o traidor, o sonhador. Em Hamlet, a dúvida é a de todo ser humano que pensa; em Macbeth, a ambição que corrompe; em Romeu e Julieta, o amor que desafia o mundo e se destrói.

Os clássicos são eternos porque tratam do que não muda. Em Dostoiévski, o homem moderno já se vê dividido entre a fé e a razão, o pecado e a culpa, a liberdade e o vazio. Em Machado de Assis, o Brasil aparece com ironia e lucidez tão precisas que ainda descrevem o país de hoje. Ler um clássico é reconhecer-se, é encontrar-se em páginas que foram escritas há séculos e, mesmo assim, parecem ter sido escritas para nós.

Mas há outro motivo pelo qual os clássicos não envelhecem: eles exigem do leitor algo que o mundo contemporâneo quase esqueceu — o esforço da compreensão. Eles não se contentam em entreter; querem elevar. Não buscam o aplauso fácil, mas a adesão profunda. Por isso, ler um clássico é um exercício da inteligência e da alma. É preciso paciência, concentração e humildade para caminhar com autores que pensavam devagar, com frases longas e ideias densas. No entanto, esse esforço é recompensado. Quem vence as primeiras páginas de A Divina Comédia já não é o mesmo quando chega ao Paraíso.

Os clássicos também envelhecem bem porque falam com beleza. A forma é o corpo da verdade, e quando a verdade se veste bem, ela se torna eterna. Por isso, Cervantes ainda diverte, Camões ainda emociona e Victor Hugo ainda comove. Eles sabiam que escrever era mais do que narrar fatos: era tocar a alma com palavras que durassem mais do que a vida.

Por fim, os clássicos não envelhecem porque cada geração os lê de novo e neles descobre algo diferente. São como espelhos: refletem o leitor que os encara. O jovem vê uma coisa, o adulto outra, o velho uma terceira, mas o livro continua o mesmo. Um clássico não muda; nós é que mudamos diante dele.

Ler um clássico é, portanto, conversar com o tempo. É aceitar o convite de uma mente distante que ainda tem algo a dizer. E, num mundo que corre para esquecer, são os clássicos que nos lembram o essencial: o homem, com toda a sua grandeza e miséria, continua sendo o mesmo. É por isso que eles não envelhecem. Porque falam do que é eterno.

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Professora de história e jornalista. Fala como uma professora que não perdeu o gosto de ensinar olhando nos olhos. Escreve como quem puxa uma cadeira, abre um livro e diz: “sente-se, vamos pensar juntos.” Suas palavras têm o tom sereno de quem aprendeu mais com a vida do que com os manuais, e a firmeza de quem sabe que sem esforço não há entendimento.
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