Vivemos numa época em que o homem já não contempla, apenas reage. O celular, esse pequeno espelho moderno de Narciso, reflete não a alma, mas a pressa. Ele promete conhecimento, mas entrega fragmentos; promete comunicação, mas nos isola em bolhas luminosas. No entanto, como toda invenção humana, ele não é, em si, um mal. O mal começa quando o instrumento se torna senhor e o homem, servo. É preciso, portanto, reconquistar a hierarquia das coisas — e usar a técnica a favor da inteligência, não contra ela.
Aristóteles dizia que o homem é, por natureza, um ser racional, e que o ócio — o tempo livre bem utilizado — é a condição para a sabedoria. O celular, em nossa época, devora esse ócio. Ele substitui o silêncio da reflexão pelo ruído das notificações, o esforço da leitura pela passividade da rolagem infinita. O que antes era um exercício do espírito se tornou um reflexo condicionado. Mas, se o vício nasce do uso desordenado, o hábito virtuoso nasce do domínio da vontade. O mesmo aparelho que dispersa pode, com disciplina, tornar-se um mestre de leitura, desde que o leitor o submeta à razão, e não o contrário.
Com um simples gesto, o celular pode se converter numa biblioteca portátil, semelhante àquela que, em outros tempos, os monges preservavam com devoção nos mosteiros. Aplicativos como Kindle e Kobo dão acesso a milhares de livros — basta querer. Um leitor prudente pode transformar cada espera, cada trajeto, em ocasião de estudo. É o mesmo princípio que movia os antigos a carregar manuscritos e cadernos: o desejo de aprender sempre. O meio mudou, mas a essência é a mesma.
E quando o cansaço não permitir a leitura com os olhos, resta a leitura com os ouvidos. Os audiolivros, de certo modo, retomam a tradição oral de Homero e dos rapsodos gregos — aqueles que transmitiam a sabedoria em palavras vivas, antes que o alfabeto a fixasse no papel. Ouvir um bom livro é, de certa forma, retornar às origens da cultura, onde o verbo era som e o conhecimento se guardava na memória.
Por fim, o que se deve compreender é que o problema nunca esteve no aparelho, mas na alma. O homem moderno precisa reaprender a se concentrar, a discernir o essencial do supérfluo, o verdadeiro do imediato. O celular pode ser o novo mosteiro ou o novo labirinto — depende de quem o segura nas mãos. Porque, como diria Santo Tomás, o bem de cada coisa consiste em agir conforme sua forma. O desafio, portanto, é fazer do celular não um ídolo, mas um instrumento ordenado àquilo que o dignifica: o amor à verdade e à leitura que conduz ao entendimento.
					
							